THE ROLE OF DEFENSE IN JUVENILE JUVENILE JUSTICE: FROM THEORY TO PRACTICE.
Tatiana Lourenço Emmerich de Souza[1]
Resumo: A criminalização de adolescentes em conflito com a lei, é um problema social que se perpetua ao longo da história brasileira. Assim, é necessário fazer uma reflexão sobre os discursos estigmatizantes que incidem sobre os adolescentes em conflito com a lei, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, bem como, a verificação do papel da defesa frente a garantia de direitos dessses jovens. O livro mescla a metodologia teórica e empírica. Dentre os resultados encontrados, destacam-se a participação mitigada da defesa ao longo do processamento e a aplicação de mais medidas de internação que medidas alternativas a esta.
Palavra-chave: Defesa, Adolescentes em conflito; ECA; Justiça; Infracional.
Abstract: The criminalization of adolescents in conflict with the law, is a social problem that perpetuates throughout Brazilian history. Thus, it is necessary to reflect on the stigmatizing discourses that affect adolescents in conflict with the law, especially in the city of Rio de Janeiro, as well as the confirmation of the role of defense against the guarantee of rights of young people. The book mixes theoretical and empirical methodology. Among the results found, we highlight the mitigated participation of the defense throughout the processing and the application of more hospitalization measures than alternative measures to this one.
Keywords: Defense, Adolescents in conflict; ECA; Justice; Infractional.
Na justiça juvenil, a defesa começou a ter seu papel evidenciado quando crianças e adolescentes se tornaram sujeitos de direitos. Dessa maneira, principalmente na área infracional, a viabilização dos direitos começou a ocorrer via defesa técnica, o que tornou o papel do advogado relevante para o correto curso do processo, dentro do que diz o princípio do devido processo legal, que garante que todo o processo deve correr seguindo as normas jurídicas previstas na legislação brasileira.
A defesa técnica é um direito público, realizada por um advogado ou defensor a seu assistido, este que teve imputações de caráter infracional ao seu respeito. Os profissionais advogados são dotados de condições técnicas para realizar a defesa, em paridade com o Ministério Público. Segundo a legislação do ECA, o estatuto deve ser obedecido em sua integralidade para que a defesa não suscite nulidades durante o curso do processo.
Nos processos que envolvem atos infracionais, essa defesa será obrigatória, segundo o artigo 207 do ECA, mesmo para aqueles que se encontrarem foragidos. Ela deve começar desde a fase policial, na qual o adolescente, já no ato de sua apreensão, deverá tomar conhecimento de seus direitos e garantias através da figura de um advogado ou defensor público.
A atuação da defesa na justiça juvenil é exercida por dois personagens: o defensor público e o advogado privado. É importante ressaltar que ambos são regidos pelas mesmas normas inseridas no ECA e na CRFB/88; e a qualquer momento podem ser acionados para realizar a defesa técnica de jovens em conflito com a lei.
No ECA, a defesa pela Defensoria Pública é prevista no artigo 141, com atuação permanente quando for necessário. Em alguns estados do Brasil, ainda não existe a presença do órgão da Defensoria Pública, o que acarreta a competência da defesa para advogados dativos e, principalmente, do Ministério Público dos estados.
Por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro criou uma das pioneiras Defensorias Públicas do Brasil. Na comarca do Rio de Janeiro, de cinco Varas da Infância e Juventude, apenas uma é direcionada a infrações em âmbito de conhecimento; e há uma recém-criada Vara de Execução de medidas socioeducativas.
Do ponto de vista – prático normativo, tanto a defesa pública quanto a privada possuem paridade em relação ao exercício de função nos tribunais, delegacias e demais órgãos públicos que se relacionam aos jovens que cometeram atos infracionais. Porém, suas principais diferenças aparecem especialmente em relação ao volume e condições de trabalho.
Em relação ao volume, foi possível perceber na prática que a Defensoria Pública atua na maioria dos processos que envolvem adolescentes em conflito com a lei, ficando uma minoria com o patrocínio da causa por advogados privados. Isso acontece devido à maioria dos jovens advirem de classes mais pobres, nas quais as famílias não têm condições de arcar com honorários advocatícios privados.
Interessante destacar que, apesar do grande volume de processos, somente uma pequena quantidade de autos sobe para a 2ª instância recursal. Segundo os dados fornecidos pelo setor de estatística do TJRJ, em um universo de 16.355 processos no mês de março de 2017, apenas 42 foram remetidos ao Tribunal para julgamento de recursos ou habeas corpus.
Nas tabelas fornecidas pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, no “Projeto Planejando a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro: uma análise de alocação de defensores entre as comarcas”, publicado em maio de 2017, são apresentadas estatísticas descritivas sobre a distribuição de carga de trabalho pelas comarcas por competência – respectivamente: criminal, família, fazenda pública, infância e adolescência e cível. Segundo o referido Projeto, a carga de trabalho total da Defensoria Pública no Estado é de 668.548 mil processos, perfazendo uma carga de trabalho de 1.494 processos por defensor efetivo, conforme verificado no estudo; na área da Infância e Juventude, a porcentagem gira em torno de 4,9% desse total.
A condição de trabalho também é um fator que influi na defesa. Atualmente a Defensoria Pública vive a falta de repasse de recursos do Estado para sua plena atuação. O corpo de defensores também não acompanha o número de defesas, ou seja, o número de processos de atos infracionais é muito maior que o corpo de defensores públicos necessários para atingir uma efetividade da defesa na garantia dos direitos desses adolescentes em conflito com a lei. No Rio de Janeiro, conforme a pesquisa, o máximo de processos previstos na tabela contabiliza 26.121 processos; atualmente, porém, o total estadual na comarca já se encontra em 33.700 processos, aumento significativo dentro da competência da Infância e Juventude.
No mesmo estudo, independentemente do recorte apresentado, os números sugerem que, por conta da especialização no acompanhamento dos processos, cada defensor é capaz de lidar com um número significativamente superior à carga média global de processos. Os dados são alarmantes, visto que temos 45 defensores públicos para um total de 33.700 processos; em média, uma carga de 702 processos para cada um deles.
Essa carga também é bastante alta na capital do Rio de Janeiro, onde foi possível identificar em torno de 24 defensores públicos para uma demanda geral de 26.121 processos; cada profissional tem sob sua responsabilidade cerca de 1.090 processos. Vale a pena destacar que são dados de setembro de 2015.
Com a crise econômica de 2017, essa situação foi agravada. Por fazer parte do Poder Executivo, as defensorias muitas vezes têm sua verba dividida com o pagamento de salários atrasados de outros funcionários públicos, sofrendo a consequente falta de investimento em sua estrutura de trabalho.
Nesse ponto, a defesa privada se sobressai; o volume é menor, e muitas vezes a qualidade da defesa tende a ser melhor. Importante lembrar que não nos referimos ao conhecimento técnico dos profissionais, mas, sim, a como a carga de trabalho pode afetar a sua atividade.
Assim, quando falamos no papel da defesa, por mais que sua atuação se mostre necessária e fundamental conforme estabelece os artigos do ECA, por preservar a observância dos direitos e garantias estabelecidos no ordenamento pátrio e em convenções internacionais ratificadas, verificamos que, na prática, esse papel é quase “inexistente” dentro do rito da justiça juvenil.
Essa ausência também pode ser percebida quando ocorrem muitas trocas de patronos nos processos, ou seja, quando existe uma constante mudança de defensores e advogados em uma mesma causa. Isso acarreta ausência de defesa em períodos cruciais do procedimento, comprometendo o cumprimento da ampla defesa dos jovens. Esse fato pode resultar, consequentemente, na quebra da estratégia desenhada anteriormente pelo defensor ou advogado responsável pelo caso, gerando possíveis prejuízos para a nova defesa estabelecida, principalmente para o adolescente que está submetido à defesa material.
A estratégia construída pode também, ser destituída no próprio Juízo da Infância e Juventude infracional, quando se indefere a tese defensiva, impossibilitando-a de produzir os efeitos a que ela se destina – muitas vezes, por fundamentos totalmente subjetivos e dotados de características de um modelo inquisitório. Por muitas vezes, na prática, isso também ocorre quando a defesa técnica, por exemplo, levanta estratégias fracas, que não contestam provas, laudos ou levantam qualquer evidência de possível contradição, entre testemunhas, principalmente aquelas ligadas à figura dos policiais.
Essas provas são geralmente usadas como suporte para embasar os pareceres ministeriais e decisões judiciais para aplicação de medidas socioeducativas, principalmente no que tange às medidas privativas de liberdade. Muitas vezes, o que acontece na prática é uma conivência dos advogados e defensores com as posições “superiores” do Parquet e do juiz, que tendem a realizar um juízo de valor sobre a personalidade do adolescente, se esquecendo do ato que foi cometido.
Ressalto mais uma vez que esse juízo de valor, realizado apenas com base na personalidade do adolescente, tem traços característicos da sujeição criminal, perigosíssima à segurança jurídica do processo e principalmente à integridade dos adolescentes em conflito com a lei. É previsto que nenhuma condição pessoal do adolescente deva ser motivo para imposição de medidas socioeducativas mais gravosas. Para tais medidas, é necessário avaliar também a ação realizada frente ao seu resultado. No mais, sem esses critérios, segundo COSTA (2005), estaremos a admitir um direito penal do autor.
Tendo em vista que a defesa também enfrenta dificuldades para exercer a defesa técnica em cumprimento com as normas do ECA em sua integralidade, destaquei cinco déficits de atuação da defesa frente às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, que observei na prática: 1) falta de questionamento da formalidade da peça de Representação (artigo 182 c/c 103 do ECA); 2) falta de observação da materialidade e autoria dos atos infracionais (artigo189 do ECA); 3) falta de referência a tipicidade e culpabilidade dos adolescentes nas defesas; 4) falta de evocação adequada ao princípios constitucionais nas peças processuais; e 5) falta de conhecimento técnico das normas penais utilizadas analogicamente assim como as normas do ECA.
Dessa maneira, as dificuldades e as lacunas da legislação da Infância e Juventude ultrapassam limites da norma posta. Queremos dizer com isso que, na Justiça Juvenil, ainda existe dificuldade de compreender a necessidade da defesa frente a representação Ministerial com a função de garantir que a Lei seja cumprida para que os ritos processuais sejam respeitados e, portanto, sejam aplicados os direitos e garantias fundamentais dos adolescentes que ingressam no sistema socioeducativo.
Portanto, elegi as cinco principais dificuldades processuais da defesa na Justiça Juvenil: 1) lacunas na legislação do ECA sobre a necessidade da defesa em momentos processuais e em casos específicos, como, por exemplo, no momento da remissão; 2) fase pré-processual sem a presença efetiva da defesa, em que os acordos são realizados apenas entre o adolescente e o Ministério Público; 3) falta de previsão legal no ECA sobre o que o juiz deve fazer se o adolescente se apresentar em juízo, principalmente na audiência de apresentação, sem defesa; 4) falta de previsão no ECA de defesa em audiência de apresentação de fatos considerados de menor gravidade; e 5) Falta de previsão pelo ECA de defesa na regressão de medidas, por seu não cumprimento pelos adolescentes.
O que vemos na prática ainda é uma justiça enraizada culturalmente na situação irregular, em que a defesa acaba sendo manipulada por posicionamentos majoritários impostos, mas apresentados como se fossem de comum acordo, sobre o que seria melhor para o adolescente. Ou seja, muitas vezes, concorda-se com a privação de liberdade mesmo que não ocorra a defesa técnica, visto que já existe uma “sabedoria popular” dentro dos tribunais, determinando que medidas socioeducativas de internação seriam melhores porque tirariam o adolescente da rua ou do seu meio, para que assim ele possa não reincidir e receber o tratamento adequado.
Infelizmente, esse pensamento é dotado de um vazio de conhecimento sobre o atual estado do sistema socioeducativo, sobretudo no que diz respeito ao acolhimento de adolescentes que cumprem semiliberdade e internação.
Como vimos, as dificuldades da defesa são inúmeras. Reuni, no livro, as cinco mais discutidas e enfrentadas diariamente por advogados e defensores, podendo destacar: 1) sistema acusatório com características fortes de sistema inquisitório, que mitiga o papel da defesa e sua essencialidade dentro do rito processual, corroborando com a manutenção do pensamento da situação irregular; 2) grande carga processual das Defensorias Públicas frente a pequena quantidade de advogados privados especializados na área de Infância e Juventude; situações que podem acarretar déficits na defesa técnica; 3) legislação do ECA apresenta lacunas em alguns artigos sobre a obrigação da defesa em determinados momentos do rito da Justiça Juvenil, muito frequente na fase pré-processual; 4) Ministério Público em posição de destaque, colocando a defesa em posição inferior em relação ao estabelecimento de medidas socioeducativas; e 5) diferenciação institucional da defesa frente à estrutura triangular do processo.
REFERÊNCIAS
BATISTA, Karyna. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: RT, 1998.
BATISTA, Vera Malagutti. Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2ª Edição. Rio de Janeiro: ICC/Revan, 1998.
COSTA, Ana Paula Motta. As garantias processuais e o Direito Penal Juvenil: como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005.
SOUZA, T. L. E. O papel da Defesa na Justiça Juvenil Infracional: da teoria à prática. 1. ed. Rio de Janeiro: Multifoco, 2018.
SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil no estatuto da criança e do adolescente. Dissertação (Mestrado). São Paulo, Departamento de direito penal, medicina forense e criminologia, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002.
VERONESE, Josiane Rose Petry. Acesso à justiça: a defesa dos interesses difusos da criança e do adolescente – ficção ou realidade? Dissertação (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1994.
[1] Mestre pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro pelo Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos (UFRJ / PPDH).